E o futuro chegou...
Pesquisas mostram também que várias culturas agrícolas devem ser afetadas no País, em especial a soja, podendo levar a um prejuízo de R$ 7,4 bilhões já em 2020; e que a Região Nordeste será a mais afetada, com intensificação do processo de desertificação e perdas significativas no PIB. Mas ainda faltam dados regionalizados que possam servir de instrumento para a criação de políticas de adaptação.
Falta mostrar, por exemplo, se haverá aumento ou diminuição de chuvas. Esse é um dos itens com mais incertezas nas modelagens climáticas, de modo que os estudos feitos até o momento trabalham somente com a variação de temperatura, mas não com a de precipitação. Mas ela fará toda a diferença para identificar a vulnerabilidade de cidades. Só com esses dados será possível prever enchentes e os impactos disso na infra-estrutura dos municípios, em sua economia e na saúde da população.
“O País ainda está mais focado nos mecanismos de mitigação, que são fundamentais, claro, mas não sabe como vai lidar com os impactos de mudanças que são inevitáveis”, afirma o pesquisador Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. “A seca que tivemos em 2005 na Amazônia é um exemplo do que pode acontecer no futuro. Estão previstos eventos semelhantes nos próximos anos e ali tivemos a dimensão do que a falta de um mecanismo de adaptação pode provocar: 250 mil famílias afetadas, sem ter água para beber.”
Suzana Ribeiro Khan, admite a falha. “A verdade é que, por muito tempo, houve uma resistência em todo o mundo: discutir adaptação era como jogar a toalha. Como se, ao admitir que vai esquentar mesmo, estaríamos desistindo de atuar em mitigação. Hoje não se pensa mais assim. Mitigação e adaptação são complementares, mas isso é muito complexo quando nem se sabe direito o que vai ocorrer e onde. É um item mais fraco no plano, porque o conhecimento das vulnerabilidades é menor.”
Mas ela reconhece que algumas coisas já são conhecidas desde sempre, como o risco de desertificação do Nordeste e os problemas de destruição de matas ciliares. “Nessas coisas já podemos trabalhar.”
Estados e cidades que começam a preparar seus planos de mudanças climáticas também se assemelham ao governo federal no foco em mitigação e não estão trabalhando com adaptação por não saber direito onde serão mais expostos ao problema. “Mas são os trabalhos de adaptação que engajam a sociedade”, afirma o ambientalista Fabio Feldmann, secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas. “O caso de Santa Catarina mostrou que o Brasil não está preparado para lidar com as vulnerabilidades. Espero que aprendamos algo com isso”, complementa.
Pesquisadores apontam que o motivo da enxurrada é uma seqüência de eventos meteorológicos. O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônica (INPA), Antonio Manzi, explica que um bloqueio atmosférico foi o que desencadeou o início das chuvas. No entanto, ainda não é possível dizer porque o fenômeno ocorreu em Santa Catarina, já que a intensidade de chuva no local não é comum nesta época do ano.
“Tem algumas situações atmosféricas, da variação do tempo, no dia-a-dia, que estabelece uma massa de ar com alta pressão sobre uma região e aí ela não deixa passar, por exemplo, as frentes frias que vem do sul, que chegam até a região e não conseguem avançar e isso produz chuva no local”, diz.
Manzi argumenta que numa avaliação mais ampla, é possível relacionar a enxurrada catarinense com as mudanças climáticas globais. Mesmo que ainda não existam dados suficientes, estudos prevêem que as mudanças globais vão amplificar os fenômenos climáticos.
Diante da calamidade que tomou o Estado durante a enxurrada, os pesquisadores concordam que um planejamento urbano, que preveja eventos de tal magnitude, é o único jeito de minimizar os efeitos. Sacramento, do INPE, pondera que, igual a outros estados, Santa Catarina não está preparada para agir numa situação de emergência deste tipo.
Releitura da materia de Paula Cassandra, da Agência de Notícias Chasque, publicada pelo EcoDebate, 01/12/2008